OS "CATÓLICOS" ADVERSATIVOS
P. Gonçalo Portocarrero de Almada
A Voz da Verdade, 2011-07-17
In memoriam deMaria José Nogueira Pinto,
uma católica nãoadversativa.
A barca de Pedro é como a arca de Noé. Se estaprovidencial embarcação incluía toda a espécie de criaturas que havia à face daterra, também a Igreja congrega uma imensa variedade de almas. Todas as gentes,qualquer que seja a sua raça, a sua cultura, a sua língua ou os seus costumes,desde que legítimos, cabe na barca de Pedro. Por isso, graças a Deus, hácatólicos conservadores e progressistas, de direita e de esquerda, republicanose monárquicos, regionalistas e centralistas, etc.
Se, em política, tudo o que parece é, o mesmo jánão se pode dizer na Igreja. Tal é o caso dos ‘católicos’ adversativos. Muitoembora a designação seja original, a realidade é, infelizmente, do maisprosaico e corrente:
- Eu sou católico, mas...
E, claro, a seguir a esta proposição adversativa,seguem não poucos reparos à doutrina cristã. A saber: eu sou católico, mascreio na reencarnação; eu sou católico, mas defendo o aborto; eu sou católicomas, não acredito no inferno; eu sou católico, mas sou a favor da eutanásia; eusou católico, mas concordo com o casamento entre pessoas do mesmo sexo; etc.,etc., etc.
É verdade que a Igreja acolhe também aqueles que,por desconhecimento ou por debilidade, não conseguem ainda viver de acordo comtodos os seus preceitos. Ao contrário do que pretendiam os cátaros, a Igrejanão é só dos puros ou dos santos, os únicos que são, de facto, cem por centocatólicos. Com efeito, a Igreja não exclui os néscios, nem os fracos que, narealidade, somos quase todos nós. Mas não aceita os nossos erros, nem os nossospecados, antes impõe que, da parte do crente, haja uma firme decisão deconversão.
Esta é, afinal, a diferença entre o pecador e ofariseu: ambos pecam, mas enquanto aquele reconhece-o humildemente e procuraemendar-se, este justifica-se e, em vez de mudar de conduta, desautoriza adoutrina em que, afinal, não crê. O pecador que é sincero no seu propósito desantificação, tem lugar na comunidade dos crentes, mas não quemintencionalmente nega os princípios da fé cristã.
Na Igreja há certamente margem para a diversidadede pontos de vista, também em matérias doutrinais opináveis, mas não cabedivergência no que respeita aos princípios fundamentais. Um cristão que,consciente e voluntariamente, dissente de uma proposição de fé definida pelacompetente autoridade eclesial, não é simplesmente um católico diferente oudivergente, mas um fiel infiel, ou seja, um não fiel.
Conta-se que o pai de uma rapariga algo leviana,sabendo do seu estado interessante, tentou desesperadamente conseguir-lhe ummarido que estivesse pelos ajustes. Para este efeito, assim tentou aliciar umpossível candidato:
- É verdade que a minha filha está grávida, mas ésó um bocadinho...
Ser ou não ser, eis a questão. Pode-se sercatólico sendo ignorante e até muito pecador, mas não se pode ser ‘católico’adversativo, ou seja, negando convictamente a doutrina da Igreja.
A fé não se afere por uma auto-declaraçãoabstracta, mas pela opção existencial de seguir Cristo, crendo e agindo deacordo com os princípios do Evangelho. Não é católico quem afirma que o é, masquem pensa e quer viver como tal. «Tu crês que há um só Deus? Fazes bem, noentanto também os demónios crêem e tremem. O homem é justificado pelas obras enão apenas pela fé. Assim como o corpo sem alma está morto, assim também a fésem obras está morta» (Tg 2, 19.24.26).
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