OS SELOS DA REPÚBLICA, POR MARIA FILOMENA MÓNICA
DETESTO FESTAS, galas e aniversários. No dia dos meus anos, trabalho como se nada fosse; não recordo o aniversário dos meus filhos; os meus netos parecem-me ter uma idade indefinida. Não admira que tenha reagido mal à ideia de celebrar o 5 de Outubro de 1910. Como se não bastasse ser forçada a assistir a mais uma comemoração, fui obrigada a ver e a ouvir dislates.
Vem isto a propósito de uns selos dos CTT que anteontem chegaram a minha casa, apostos num embrulho. Eis as palavras colocadas por debaixo dos bonecos que os ilustram. No primeiro, pode-se ler: «História das Liberdades. Em 1910 a notícia da implantação da República foi acolhida com manifestações de entusiasmo popular» e, no segundo, «História das Liberdades. Na República Portuguesa cada um é senhor de conduzir o seu destino, o que merece ser festejado». A fim de que não subsistam equívocos, esclareço, desde já, que não sou monárquica nem alimento sentimentos nostálgicos em relação ao Estado Novo. Apenas prezo a verdade histórica.
Vamos a ela. Durante a Monarquia, a República significou quatro coisas: «bacalhau a pataco», o derrube da «tirania», a expulsão da «reles canalha da batina» e o sufrágio universal. Era isso que a propaganda prometia. Depois, embora o rei tivesse desaparecido e os padres fossem humilhados, nem a alimentação ficou mais barata, nem os trabalhadores puderam votar em maior número, nem as liberdades aumentaram. Dois meses apenas após a queda do regime monárquico, quando ingenuamente os operários começaram a reivindicar uma vida melhor, a República promulgou uma lei restritiva das greves, que passou à História como o «decreto-burla».
A mudança tão pouco favoreceu a participação política. Uma vez no poder, os Republicanos perceberam que, se dessem o voto a todos os portugueses, seriam derrotados, uma vez que os camponeses jamais votariam neles. Daí a lei eleitoral de 1913, a qual, a pretexto de combater o «caciquismo», retirou o voto aos analfabetos, ou seja, à maioria da população. O número de recenseados desceu logo para metade: de 846.801 passou a 395. 038, a proporção mais baixa desde 1860. À medida que a República mostrava a sua verdadeira face, o eleitorado de Lisboa desinteressava-se do voto. A abstenção, que, em 1911, fora de 13%, subiu, em 1919, para 80%.
Há pior: a República começou a prender indivíduos sem os julgar. Em meados de 1912, existiam 2.382 presos políticos, muitos deles operários que haviam participado na greve geral de Janeiro desse ano. Não admira que os trabalhadores acabassem por aderir, em massa, ao anarco-sindicalismo, uma doutrina que proclamava o que eles sentiam: os políticos, todos os políticos, eram uns vermes.
«Expresso» de 28 Mai 11 - NOTA (CMR): 'José', no seu blogue Porta da Loja, dedica um post a esta crónica, e ilustra-o com a imagem de um dos selos referidos - ver [aqui].
Vem isto a propósito de uns selos dos CTT que anteontem chegaram a minha casa, apostos num embrulho. Eis as palavras colocadas por debaixo dos bonecos que os ilustram. No primeiro, pode-se ler: «História das Liberdades. Em 1910 a notícia da implantação da República foi acolhida com manifestações de entusiasmo popular» e, no segundo, «História das Liberdades. Na República Portuguesa cada um é senhor de conduzir o seu destino, o que merece ser festejado». A fim de que não subsistam equívocos, esclareço, desde já, que não sou monárquica nem alimento sentimentos nostálgicos em relação ao Estado Novo. Apenas prezo a verdade histórica.
Vamos a ela. Durante a Monarquia, a República significou quatro coisas: «bacalhau a pataco», o derrube da «tirania», a expulsão da «reles canalha da batina» e o sufrágio universal. Era isso que a propaganda prometia. Depois, embora o rei tivesse desaparecido e os padres fossem humilhados, nem a alimentação ficou mais barata, nem os trabalhadores puderam votar em maior número, nem as liberdades aumentaram. Dois meses apenas após a queda do regime monárquico, quando ingenuamente os operários começaram a reivindicar uma vida melhor, a República promulgou uma lei restritiva das greves, que passou à História como o «decreto-burla».
A mudança tão pouco favoreceu a participação política. Uma vez no poder, os Republicanos perceberam que, se dessem o voto a todos os portugueses, seriam derrotados, uma vez que os camponeses jamais votariam neles. Daí a lei eleitoral de 1913, a qual, a pretexto de combater o «caciquismo», retirou o voto aos analfabetos, ou seja, à maioria da população. O número de recenseados desceu logo para metade: de 846.801 passou a 395. 038, a proporção mais baixa desde 1860. À medida que a República mostrava a sua verdadeira face, o eleitorado de Lisboa desinteressava-se do voto. A abstenção, que, em 1911, fora de 13%, subiu, em 1919, para 80%.
Há pior: a República começou a prender indivíduos sem os julgar. Em meados de 1912, existiam 2.382 presos políticos, muitos deles operários que haviam participado na greve geral de Janeiro desse ano. Não admira que os trabalhadores acabassem por aderir, em massa, ao anarco-sindicalismo, uma doutrina que proclamava o que eles sentiam: os políticos, todos os políticos, eram uns vermes.
Em suma, a República não respeitou as liberdades.
«Expresso» de 28 Mai 11 - NOTA (CMR): 'José', no seu blogue Porta da Loja, dedica um post a esta crónica, e ilustra-o com a imagem de um dos selos referidos - ver [aqui].
Fonte: Sorumbático
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