terça-feira, 12 de abril de 2011

DA MONARQUIA CONSTITUCIONAL

Eu partilho de muitas das preocupações que o Pedro Arroja tem manifestado neste blog sobre a governabilidade e sobre o futuro de Portugal. A questão coloca-se, pelo menos na aparência, nestes termos: como pode funcionar e que futuro poderá ter um país onde, ao fim de trinta e cinco anos de regime democrático, o estado não realiza as suas funções essenciais, a justiça é de péssima qualidade, a educação medíocre, a segurança muito frágil e a piorar, onde o mercado e a economia privada são quase inexistentes, onde não existe um desígnio nacional que una os cidadãos, onde a instabilidade governativa é regra, e onde ninguém parece saber o que fazer? Para responder a isto, o Pedro foi à História e concluiu que o país só progride em ditadura, melhor, só progrediu verdadeiramente no século passado com a “ditadura boa” do Doutor António de Oliveira Salazar.

Por mim, não discordo do diagnóstico, mas duvido da conclusão. Primeiro, porque nenhuma ditadura é boa. Ainda que permita, ocasionalmente, um certo desenvolvimento económico de um país, as feridas e as cisões que deixa no tecido social têm sempre, a prazo, de ser ultrapassadas. E só há uma maneira de o fazer: terminar com ela, a ditadura, e repor a liberdade e a livre cooperação e competição entre os indivíduos. A História, de resto, demonstra bem a perenidade de todas as ditaduras, até mesmo das mais violentas, como sucedeu com a soviética. A razão é simples: elas são contrárias à natureza livre do homem e, por isso, são-lhe sempre prejudiciais. Mas, em segundo lugar, porque a boa ditadura é uma coisa que não existe. O consentimento só o é quando livre, e por mais férrea que seja uma ditadura sempre haverá quem tenha a coragem da dissensão. Em terceiro lugar, porque uma experiência política como foi o caso do salazarismo, depende exclusivamente da pessoa física que a protagonizou. Neste caso, aliás, a ausência de doutrina política e de ideologia (com excepção do desenho do corporativismo na Constituição de 1933, com baça, muito baça, correspondência com a realidade social portuguesa) eram bem patentes no Estado Novo: para além de algumas dezenas de discursos, Salazar não deixou uma única obra de doutrina. Ela era ele mesmo e a sua acção. Com o fim do homem foi-se o regime, como, aliás, o marcelismo e o 25 de Abril deixaram bem claro.

Eu penso, por isso, que a solução para Portugal passaria por uma outra solução. Ela não deixa de ser evidente. Praticamente um ovo de Colombo, se nos reportarmos à História Contemporânea de Portugal e da Europa. Apenas nos afastam dessa solução os preconceitos ideológicos e os impedimentos legais e constitucionais. Eventualmente, admito, a vontade popular, muito pouco intuitiva nestes assuntos. A solução é, claramente, a da monarquia constitucional. Julgo que não é difícil demonstrá-lo.

Os portugueses são, de facto, propensos à instabilidade e muito pouco vocacionados para a formação de instituições sociais fortes e representativas dos seus interesses e necessidades. A classe política, por sua vez, espelha bem o que é a natureza dos portugueses. É imediatista, não pensa a médio, longo prazo, consome-se em questiúnculas de menor importância, agarra-se vorazmente ao poder assim que o alcança. Por outro lado, não se respeita, nem dentro dos próprios partidos, menos ainda entre os diferentes partidos. Não consegue, assim, estabelecer metas, objectivos e métodos para o desenvolvimento do país, inalteráveis seja qual for o partido do governo que se suceda. Ora, uma das razões do sucesso de países subdesenvolvidos foi, nos últimos anos, manter as políticas, mesmo que mudem os políticos. Basta pensar nos casos da Índia e do Brasil, desde o começo da década de 90 para cá. Ora, na ausência de instituições sociais e políticas fortes e consistentes, reforça-se a necessidade da coesão social e comunitária. Para esse efeito, a monarquia constitucional poderá ser uma excelente resposta. Tem-no sido em todos os países europeus onde existe, não havendo um caso único, pelo menos desde o fim da 2ª guerra mundial, onde não se tenha imposto com naturalidade e harmonia, contribuindo para o reforço dos laços de coesão social e política entre os cidadãos. Num país como Portugal, muito semelhante, nesse aspecto, à Espanha, a tendência para a divisão é enorme. Veja-se o êxito que representou a monarquia espanhola, na implantação e no desenvolvimento da democracia, na credibilização das instituições políticas, na estabilidade governativa, e compare-se com o Portugal democrático da 3ª República.

Estranhamente, por razões que, para mim, permanecem incompreensíveis, a monarquia constitucional estabelece um elo de ligação entre os cidadãos e a comunidade política que não se encontra na república. Ela tem consolidado política e socialmente os países onde vigora e estabelece um princípio de ordem e de harmonia que é muito considerável. Em Portugal, por exemplo, esse elo é quase estabelecido pela população com a figura do Presidente da República, como sabemos, de acordo com a Constituição vigente, uma espécie de monarca sem trono nem sucessão. A verdade, porém, é que se o povo adere entusiasticamente à figura do Presidente, seja ele quem for, o mesmo já se não passa com a classe política, que frequentemente o desrespeita e põe em causa. Por duas razões: porque o presidente é sempre alguém que saiu do seu meio, logo, um político na pré-reforma que eles bem conhecem e com quem litigaram no passado recente; porque a legitimidade de ambos é igual: ela é meramente eleitoral e não institucional.

A experiência republicana portuguesa é, de resto, eloquentemente defensora da monarquia. A I República, como sabemos, foi um domínio de anarquia, de arbitrariedade e da falta do mais elementar senso político. Originou o Estado Novo e os ditos mais de quarenta anos de ditadura. A III República parece estar a afundar-se, sem soluções, e cada vez mais autoritária e instável. Não fosse a União Europeia e, certamente, ninguém de bom senso daria muito tempo pela vida do regime. Se é que o regime ainda estivesse vivo...

A monarquia constitucional, para além do mérito inegável de trazer coesão social, tem a virtude de definir claramente o sistema de governo como parlamentar, conforme a tradição portuguesa e europeia. Na verdade, o presidencialismo nunca colheu no nosso continente, e o parlamentarismo só tem sido efectivamente bem sucedido em países monárquicos, excepcionalmente na Alemanha, neste caso, graças a um muito bem desenhado sistema constitucional responsabilizador dos partidos políticos pelas crises institucionais que eles eventualmente pretendam criar (vd. a moção de censura construtiva, do art. 67º da Constituição Federal). Para além do mais, o exercício do poder moderador, tão necessário em sociedades como a nossa, só é possível por um monarca. Quando um presidente o tenta fazer, é sempre visto como uma “força de bloqueio”. E, nas sociedades de cariz democrático e liberal, sem uma natural apetência pela ordem e pela disciplina, como a portuguesa, ao contrário, por exemplo, da alemã, a necessidade de um poder supremo de moderação e influência institucional é absolutamente vital para o desenvolvimento do país. Veja-se, uma vez mais, o caso da Espanha, e diga-se se era concebível a transição democrática sem a existência do rei, bem como a transformação constitucional das autonomias sem a sua decisiva influência e sem o seu papel de coesão sem não interventivo.

Quem escreve estas linhas foi, ao longo de toda a sua vida, ferozmente republicano e ferozmente anti-monárquico. O raciocínio era muito frágil e baseava-se, essencialmente, não na dimensão política e histórica da monarquia, mas nas tristíssimas figuras dos nossos monárquicos. Estes, verdadeiramente, são numa imensa percentagem uma grotesca legião de patetas, que confunde a monarquia com o rei e com uma pretensa fidalguia a que julgam pertencer. Na sua generalidade, os monárquicos portugueses são imensamente saloios e provincianos, quando não genuinamente parolos. Acham que a monarquia seria um regime de corte, para a qual a fidalguia, a que por sangue imaginam pertencer, seria chamada para os mais altos feitos e responsabilidades. Para além do mais, confundem aristocracia com fados, guitarradas e faenas. Têm bigodes retorcidos e falam frequentemente com vozes alteradas e aflautadas. Uns pacóvios, em suma. Todavia, o erro que esta gente comete perante a natureza do regime de que se dizem seguidores, cometia-o eu, em sentido inverso, por razões não muito distantes das deles. De facto, não se pode confundir a monarquia com os monárquicos, sequer com a pessoa do rei. Muito menos nos países onde a monarquia constitucional vigora a “fidalguia” tem assento na mesa do estado. Ao invés da nossa república, onde algum do pariato do 10 de Junho e de muitas outras distinções e reformas precoces por “altos serviços” prestados ao estado se continua a banquetear à custa do contribuinte. 
 

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