DOM DUARTE DE BRAGANÇA: "TIMOR, QUE FUTURO"?
Após a conquista de Malaca por Afonso de Albuquerque, os navegadores portugueses herdaram os circuitos comerciais que os malaios tinham desenvolvido nos arquipélagos que hoje constituem a Indonésia.
Acabaram por chegar à última ilha antes da Austrália e à costa norte dessa ilha-continente, por volta de 1515, como atesta um mapa existente nos arquivos do Vaticano.
Os Reis timorenses, ou Liurais, ficaram bem impressionados com os padres Dominicanos e com a nossa gente, estes estranhos "malais" com grandes barbas, e decidiram estabelecer um pacto eterno com o Rei de Portugal. Os Liurais dizem que esse pacto mantem-se válido até hoje...
Durante os cerca de quatrocentos e cinquenta anos seguintes assistiu-se a um caso único na colonização europeia: em geral os timorenses governaram-se a si próprios apoiando-se na orientação espiritual e política da Igreja Católica e na defesa organizada pelo representante do Rei de Portugal, geralmente um governador europeu ou um nobre de Goa.
Houve alguns desentendimentos, houve alguns conflitos, como até um governador que os timorenses capturaram e devolveram ao Rei de Portugal no primeiro navio que seguiu para Lisboa...
Esta notável História de um povo guerreiro e livre que estabelece uma aliança eterna com outro povo, do outro lado do Mundo, merece ser melhor conhecida, livre de manipulações políticas: veja-se o caso do Liurai D. Boaventura que entre em conflito armado com o Governo da Província, e que em 1912 restaura a Monarquia Portuguesa em Timor...
Desde a campanha "Timor 87 - Vamos ajudar", que mobilizou dezenas de milhares de portugueses em favor dos refugiados no Vale do Jamor até à apoteótica recepção dada por um milhão de lisboetas ao Bispo D. Carlos Ximenes Belo, em Setembro de 99, ficou claro que a ligação entre os dois povos é alheia a critérios políticos ou económicos; é afectiva, é uma relação de amor que sobreviveu às loucuras de 1975 e a 25 anos de violação pelo país vizinho, rico e poderoso, que contaria com o apoio de facto de quase todos os governos.
O problema das nossas relações passará agora por uma fase delicada: até que ponto quererão os timorenses continuar ligados a Portugal, e de que maneira nós, os portugueses, poderemos ajudá-los melhor sem interferir com a sua independência e com o seu direito a decidirem livremente o caminho a seguir?
No Oceano Pacífico há 11 territórios associados à União Europeia. No estatuto de Estados Associados dois estados soberanos partilham a mesma nacionalidade, e a defesa, caso da Holanda com as Antilhas Holandesas ou os EUA com Porto Rico, por exemplo. Podem também ter um Chefe de Estado comum.
Portugal não pode recusar essa hipótese a Timor e os políticos timorenses terão que consultar o povo antes de se decidirem se querem abandonar a nacionalidade portuguesa e serem um pequeno pais isolado no Pacífico.
E a reconstrução seguirá o modelo anterior e o estilo dos outros territórios da região, repetindo os erros do passado?
O novo Estado tem a possibilidade de desenvolver um modelo próprio, com um urbanismo e arquitectura em harmonia com a cultura e o clima locais, usando materiais locais em vez de importar cimento.
Podemos ver no Alentejo, em Moçambique, na Califórnia, construções em blocos de adobe secos ao sol, que aguentaram bem muitos séculos de vida.
E vemos muitas construções em cimento armado que após 50 anos de vida então condenadas à demolição por serem irrecuperáveis. E há hoje novas tecnologias, que permitem construir com adobe, hotéis de luxo de 2 andares, mais confortáveis que os de cimento.
Na agricultura foram no passado cometidos graves erros ao serem introduzidas técnicas novas sem consideração pelas realidades ecológicas locais. As técnicas locais poderão ser aperfeiçoadas, mas não podemos esquecer por exemplo as potencialidades da "agricultura biológica", sem produtos químicos artificiais, na produção de café e arroz para exportar para os países ricos.
Mas o mais importante será o modelo de educação que os timorenses escolherem. A maioria dos "países do 3º mundo", seguem os modelos dos antigos colonizadores, geralmente desajustados das suas realidades culturais e sociais. Pensam mais nos filhos das elites do que nas necessidades práticas do povo. O mesmo sucede em Portugal, e seria um grave erro transplantar os nossos programas para Timor... O grande desafio para Timor será o de encontrar soluções solidamente enraizadas nas suas realidades culturais económicas e ecológicas mas que possam beneficiar do que a moderna ciência e técnica têm de melhor.
Em relação à organização política do território, sinto que há a possibilidade de finalmente ser ultrapassado o "modelo obrigatório" que o Ocidente exportou para todo o Mundo após a segunda Guerra Mundial.
Se, como pretende a doutrina oficial, o objectivo deste modelo de Democracia é o de dar o poder de decisão ao Povo, o resultado foi um fracasso quando aplicado fora da Europa e da América do Norte, salvo honrosas excepções. Em geral o poder acabou por passar dos Reis e dos Chefes Tradicionais para as mãos de oligarquias financeiras ou de Forças Armadas, que em alguns casos se abrigaram por trás da fachada de partidos políticos, comunistas ou capitalistas.
O resultado foi um muito maior afastamento entre o poder e a população que esse poder era suposto servir...
A aplicação recente a Angola do modelo constitucional português, no qual quem ganha as eleições controla todo o poder e quem as perde fica só com a possibilidade de se queixar no Parlamento, foi a causa imediata do reacender da guerra civil que devastou um dos países mais ricos do mundo e o reduziu à maior pobreza.
O Administrador de Timor Sérgio Vieira de Mello tem demonstrado grande vontade de cumprir bem a sua missão e tem realizado um excelente trabalho com os meios restritos de que dispõe. Ele declarou a um jornal que "as Nações Unidas terão pela primeira vez a oportunidade de por em prática as suas utopias". Não sei em que consistem, mas parece-me preferível que sejam os timorenses a ter a possibilidade de desenvolver um sistema político verdadeiramente representativo do seu povo, e que evite as fracturas artificiais que há 25 anos o precipitaram na guerra civil e abriram as portas à ocupação estrangeira. Por exemplo seria possível que os candidatos ao Parlamento só pudessem concorrer a título individual, sem etiquetas partidárias independentemente dos partidos a que eventualmente pertençam. Desse modo não haveria partidos vencedores e perdedores. Os Partidos teriam a missão de estudar e promover as grandes opções políticas e económicas, sem quererem ser "os donos do poder".
Seria muito útil a existência de uma Segunda Câmara, consultiva, um Senado não eleito pelo voto universal mas representativo das forças morais do país. Estariam presentes por exemplo, os principais Liurais, os Bispos, e os representantes de outras religiões, além das Forças Armadas e de algumas personalidades importantes que foram reformadas.
Desse modo seriam aproveitadas a sua experiência e autoridade moral e o Povo estaria indirectamente representado.
Desse modo seriam aproveitadas a sua experiência e autoridade moral e o Povo estaria indirectamente representado.
Faço votos de que a milenar sabedoria do Povo timorense saiba encontrar as melhores soluções, sem se deixar dominar por pressões externas e por doutrinas políticas e económicas impostas do exterior.
Setembro de 2001
Texto: Unica Semper Avis
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