NÃO É OLHAR PARA TRÁS, É ANDAR PARA A FRENTE!
É impossível saber quantos são os portugueses que defendem a restauração da monarquia, mas a verdade é que os ideais monárquicos têm vindo a ganhar visibilidade, quer na Internet quer em acções de rua. Dizem que, por precisar do apoio dos partidos políticos, o Presidente da República nunca pode ser completamente independente, e defendem que o rei não só é o representante natural e de todos os portugueses, mas também um garante da unidade nacional e da estabilidade do País. Num momento de crise - não só económica mas, sobretudo, de valores - os ideais monárquicos podem ganhar cada vez mais terreno. No dia 5 de Outubro, um grupo de monárquicos vai reunir-se em Guimarães para uma declaração de lealdade a D. Duarte.
No telemóvel de Hélio Loureiro está a imagem da bandeira azul e branca, símbolo da monarquia portuguesa. O chef do Porto Palácio Hotel, conhecido por ser também o responsável pelas refeições da selecção nacional de futebol ou pelas receitas económicas que aconselha na televisão, preparou as ementas da apresentação de Afonso, o primeiro filho de D. Duarte, e do baptizado de Dinis, o filho mais novo. Podia ter sido só trabalho, mas foi mais do que isso. Hélio Loureiro usa o brasão da Casa Real na lapela e não esconde as suas ideias: "Sou monárquico convicto, não por tradição familiar mas pela certeza de que a restauração monárquica traria uma nova esperança para Portugal."
Descobriu-se monárquico aos 15 anos. "A minha geração é muito politizada, a conversa à mesa do jantar passava sempre pela política, o meu irmão era da esquerda radical. A mim não me deu para isso", recorda. Leu o Capital, de Marx, os pensamentos de Engels, o Livro Vermelho de Mao, mas depois continuou as leituras até encontrar resposta para as suas dúvidas políticas. Foi através de Gonçalo Ribeiro Telles que chegou ao pensamento monárquico, num momento em que dizer em Portugal que se defendia a monarquia era quase o mesmo do que defender o fascismo. Nada que o intimidasse: "Ser católico dá trabalho. Ser muçulmano dá trabalho. Ser judeu dá trabalho. Ser monárquico dá trabalho. Quando se é alguma coisa na vida é preciso trabalho. O mais fácil é não ser nada e não tomar posição, dizer que não se sabe. Quando se toma posição tem de se ter os pés bem assentes na terra e saber o que estamos a dizer. Com consciência." E que implica uma acção pública, como diz Hélio Loureiro: "Faz parte da minha missão enquanto português mostrar que há outro regime para além deste, que há outra verdade para além desta verdade, que isto não é o fim de uma etapa de Portugal, se calhar é uma transição."
Por tudo isto, a sua ausência será notada. Hélio Loureiro não vai estar esta terça-feira em Guimarães na declaração de lealdade a D. Duarte. "Gostaria muito de ir, mas marquei férias para esta semana. Não queria estar em Portugal nesta altura. Para não me enervar." Afinal, não deve ser fácil para alguém que defende profunda e publicamente a monarquia estar rodeado de celebrações do centenário da República - celebrar o quê?, perguntam os monárquicos, o regicídio?, a mudança de regime contra a vontade do povo português?, uma primeira República caótica, com retrocessos nos direitos fundamentais?, a ditadura que se lhe seguiu?, o PREC? Celebrar o quê? Este é o primeiro argumento de quem defende a monarquia: os monárquicos não falam da implantação da República mas antes da sua "imposição", contestam a legitimidade do novo regime e não perdoam a tirania.
"Sempre associei a monarquia à liberdade, devido à história não só do nosso país mas dos outros países da Europa. Na Alemanha e Espanha, as ditaduras aconteceram após o fim da monarquia", explica João Braga, 65 anos, monárquico desde sempre. "Era muito miúdo e lembro-me de chorar a ouvir, na rádio, a cerimónia do enterro da rainha D. Amélia", recorda. A influência da família foi determinante mas, apaixonado por história, o fadista aprofundou o tema e tornou-se um dos principais rostos da defesa da monarquia - "Existe aquele cliché: eu sou monárquico porque sou português. Não é que os republicanos sejam menos patriotas do que os monárquicos. Mas, quando Portugal foi grande, como nós entendemos uma nação grande, foi durante a monarquia. Portugal nunca foi tão pequeno como está ser nestes cem anos de república."
Isto é algo que preocupa Mariana Filippe, que herdou do pai o gosto pela pintura e a lealdade ao rei. Uma dos nove filhos de João D. Filipe, pintor especialista em arte sacra, lembra-se de como, lá em casa, as conversas sobre política eram também conversas sobre a responsabilidade social e os valores que regem a nossa vida. "Comecei a pensar no que é que significa ser português e como é que nos revemos no país onde vivemos", conta na sua voz pausada e tímida. Quando tinha 16 anos, a idade do "despertar da consciência política", já era claro na sua cabeça que não se identificava com o regime republicano nem com a figura do presidente. "Aos 18 anos entrei para a Real Associação e comecei a estar mais envolvida. Depois escolheram-me como representante da juventude na direcção. É a minha forma de participação cívica."
No atelier que partilha com o pai, mesmo em frente à Faculdade de Belas Artes, em Lisboa, onde já se licenciou em pintura e espera em breve começar o mestrado, Mariana, 22 anos, passa o tempo em tentativas e erros pintando retratos. "A arte figurativa está muito malvista nos dias de hoje, mas eu não me importo. É um desafio enorme. E gosto de retratar momentos de pausa, de reflexão, quase de suspensão do tempo, contrariando a agitação do quotidiano", explica, entre sorrisos. Na política, como na arte, Mariana não se importa de ir contra a corrente. "Quando digo que sou monárquica, algumas pessoas desatam a rir. Mas ficam curiosas. E já aconteceu, em conversas, despertar o interesse de alguns amigos. Pô-los a pensar." Não anda a tentar convencer ninguém, mas tem as suas explicações: "O rei é o símbolo de união, representa todo o País, enquanto o presidente só representa aqueles que votaram nele. Além de desagregação, isto provoca uma enorme instabilidade."
Este é outro argumento para defender a monarquia: "Dizer que qualquer pessoa pode ser presidente da República é uma utopia. Estão a enganar-nos. Para se ser presidente tem de se ter o apoio de um partido e, logo, não se é independente. O presidente, por muito que queira, nunca está acima dos interesses partidários. Já com um rei isso não aconteceria", afirma Francisco Franco de Sousa, de 22 anos, que, com o amigo Pedro Rodrigues Castro, está empenhado em animar o núcleo monárquico de Cascais. "Ser preparado desde o berço para a função faz toda a diferença", acrescenta João Braga, que não esconde a sua admiração "pelo sacrifício que implica a dedicação à causa monárquica, há um dramatismo na sina de quem nasce para esta função. Não é um privilégio, é uma missão." Uma missão para a vida inteira e que se prolonga nos seus filhos. "Isto é um garante da estabilidade, sabemos que o País não vai mudar o rumo de cinco em cinco anos, mesmo que mude o Governo, porque há algo que se mantém", acrescenta Mariana Filippe.
Se há assim tantas vantagens, por que motivo não há mais monárquicos (pelo menos a assumirem publicamente as suas convicções)? "As pessoas continuam a achar que os monárquicos têm grandes bigodes e anel no dedo. Ou que são todos duques e barões. Há um estigma. É um preconceito que temos de mudar e cabe aos jovens fazê-lo", afirma Pedro Castro. E são cada vez mais os jovens interessados pela causa monárquica, garantem. No ano passado, um grupo de monárquicos ligados ao blogue 31 da Armada - entre os quais Rodrigo Moita Deus, Henrique Burnay e Nuno Miguel Guedes - subiu à varanda do edifício da Câmara Municipal de Lisboa e hasteou a bandeira monárquica. Colocado online, o vídeo da "Restauração da Monarquia" causou enorme polémica e algum mal-estar entre os republicanos, mas teve o mérito de pôr toda a gente a falar do assunto. "Nas semanas seguintes houve imensas bandeiras hasteadas pelo País e até no estrangeiro", conta Pedro. "Isto prova que existe muita gente descontente com o regime e que está disponível para agir."
"Se esta celebração do centenário serve para alguma coisa, é também para pôr as pessoas a falar da monarquia", diz Francisco. E a verdade é que, no último ano, os monárquicos têm estado cada vez mais visíveis. Já não se reúnem só no tradicional jantar dos Conjurados, a 30 de Novembro. Hoje mesmo, um grupo vai sair para as ruas de Lisboa em mais uma "arruada monárquica", exibindo T-shirts azuis onde se lê "Eu quero um rei. E tu?", agitando bandeiras, distribuindo folhetos, gritando "O rei é fixe, a república que se lixe." David Garcia, 31 anos, é um dos que habitualmente participam nestas arruadas. "Acho que tem de haver uma maior abertura, uma aproximação à população", defende, acrescentando: "Muita gente pensa que ser monárquico é pertencer a uma família rica e ser conservador ou de extrema-direita não é nada disso", diz David, que não cresceu num meio monárquico nem pertence a qualquer elite. "Não tenho nenhuma tradição na família, sou um monárquico de consciência."
Foi em 1995, quando assistiu ao casamento de D. Duarte com D. Isabel de Herédia, que se fez um clique na sua cabeça de 16 anos. "Fiquei muito interessado em perceber quem era este homem e comecei a estudar não só a nossa história como as outras monarquias que existem na Europa." Foi o princípio de um caminho que o levou a ler livros como O Passado de Portugal no Seu Futuro, de Manuela Gonzaga, e a tirar o curso de História da Arte. Em 1999, associou-se à Real Associação de Lisboa. "Foi então que comecei a doutrinar-me, a perceber o vazio da República e a rever-me no princípio político defendido por D. Duarte", conta. Além disso, "basta olhar para o nosso país hoje para percebermos que algo está mal", diz. Ou como afirma Mariana Filippe: "Cada vez mais as pessoas estão descontentes e desanimadas. É nestes momentos que mais precisamos de um rei."
Mais um argumento para defender a monarquia: os países europeus que vivem neste regime (Reino Unido, Suécia, Dinamarca, Luxemburgo, Noruega, Espanha) parecem ter uma sociedade muito mais estável e harmoniosa e estar mais preparados para enfrentar a crise - se não em termos económicos, pelo menos em termos anímicos. A auto-estima de um povo e o "sentimento de pertença a uma comunidade que tem no representante histórico um garante da estabilidade" podem ser determinantes para a evolução d e um país, dizem os monárquicos.
"Claro que não iríamos ter uma monarquia absoluta, todas as monarquias actuais são democracias onde os ideais da igualdade, liberdade e fraternidade estão muito mais presentes, talvez, do que na nossa república", diz David Garcia. Ou, nas palavras de Hélio Loureiro: "Incutiram-nos a ideia de que os reis são uma coisa medieval e que eram todos tiranos. Tem-se a ideia de que a monarquia é uma coisa de direita quando o pensamento monárquico é mais à esquerda do que o pensamento republicano. Quando se descobre petróleo na Noruega, enriquecem todos, não só alguns. Por isso, quando as pessoas são questionadas seriamente sobre isto acabam por perceber. Não é voltar atrás, é andar para a frente."
Nas arruadas, distribuindo folhetos e respondendo às perguntas dos transeuntes, David sente que está a cumprir a sua missão: "Vamos para a rua para dar alguma esperança aos portugueses, dizer-lhe que há um outro caminho e que Portugal tem muita potencialidade." Da mesma forma, há quatro anos, decidiu iniciar um blogue a que chamou Projecto Democracia & Rei, onde publica notícias, vídeos, textos seus e de outros defendendo os ideais monárquicos. Mais recente, a página no Facebook já tem mais de mil membros. E este apenas um dos muitos sites e blogues associados à causa, desde as páginas oficiais da Casa Real ou da reais associações, passando por blogues simpatizantes - como o 31 da Armada (embora tenha também uma "ala marimbista"), o Pensar Portugal (de Ricardo d'Abranches), o Grupo dos Amigos de Olivença, o Livre e Leal (de Luís Aguiar Santos), o blogue de Pedro Quartin Graça, o Movimento 1128, e muitos outros. "Hoje é muito mais fácil encontrar outras pessoas que pensam como nós", reconhece David Garcia. É mais fácil comunicar, organizar acções e passar a mensagem. "Na Internet usamos uma linguagem simples, apelativa, moderna", explica. "Mostramos que a monarquia não tem nada a ver com privilégios."
É comum falar da despesa e do fausto associados às casas reais, mas os monárquicos alegam que a maioria das monarquias custa menos que a nossa república: "Nem que seja porque não teríamos de pagar as reformas e os privilégios dos anteriores presidentes", argumenta Pedro Castro. "As famílias reais têm o seu património. Dom Duarte não recebe qualquer pensão do Estado", explica Hélio Loureiro. E não há ilusões quanto a cortes e a bailes. "Todos os Estados têm as suas elites e as suas despesas de representação. A república também tem uma elite económica, social, cultural", explica Francisco Franco de Sousa.
Essa é também uma das lutas da duquesa Diana de Cadaval. "Ter um título significa, antes demais, ser portuguesa e honrar a tradição. A minha missão é inspirar-me no passado da minha família para tentar fazer melhor na construção do meu presente", diz a duquesa, que é uma das figuras da nobreza portuguesa mais populares, sobretudo desde que se casou com o príncipe Charles Philippe. As fotografias da família são publicadas nas revistas cor-de-rosa ao lados das imagens das famílias reais europeias. Mas Diana de Cadaval insiste em dizer, em todas as entrevistas, que é uma mulher como as outras. "Sou uma mulher que trabalha e que, como tantas outras, luta pelos seus objectivos. Tenho muitos projectos e faço por realizá-los o melhor que sei e posso. Temos uma vida cheia - de preocupações mas também de pequenos prazeres. Não temos preconceitos, por isso tento tirar o maior proveito de uma ida ao mercado como de umas horas de jardinagem ou de um baile em que encontramos os nossos primos, duques, príncipes, reis..." Autora do livro Eu, Maria Pia e colaboradora da revista Caras, Diana de Cadaval recusa-se a ser meramente duquesa. Mas não esconde uma esperança: "Acredito que o povo é soberano, e respeito a vontade da maioria, assim ela tenha oportunidade de manifestar. Estamos numa democracia, não estamos? Então ao povo português deve lhe ser dada a oportunidade de escolher."
Fonte: DN
No telemóvel de Hélio Loureiro está a imagem da bandeira azul e branca, símbolo da monarquia portuguesa. O chef do Porto Palácio Hotel, conhecido por ser também o responsável pelas refeições da selecção nacional de futebol ou pelas receitas económicas que aconselha na televisão, preparou as ementas da apresentação de Afonso, o primeiro filho de D. Duarte, e do baptizado de Dinis, o filho mais novo. Podia ter sido só trabalho, mas foi mais do que isso. Hélio Loureiro usa o brasão da Casa Real na lapela e não esconde as suas ideias: "Sou monárquico convicto, não por tradição familiar mas pela certeza de que a restauração monárquica traria uma nova esperança para Portugal."
Descobriu-se monárquico aos 15 anos. "A minha geração é muito politizada, a conversa à mesa do jantar passava sempre pela política, o meu irmão era da esquerda radical. A mim não me deu para isso", recorda. Leu o Capital, de Marx, os pensamentos de Engels, o Livro Vermelho de Mao, mas depois continuou as leituras até encontrar resposta para as suas dúvidas políticas. Foi através de Gonçalo Ribeiro Telles que chegou ao pensamento monárquico, num momento em que dizer em Portugal que se defendia a monarquia era quase o mesmo do que defender o fascismo. Nada que o intimidasse: "Ser católico dá trabalho. Ser muçulmano dá trabalho. Ser judeu dá trabalho. Ser monárquico dá trabalho. Quando se é alguma coisa na vida é preciso trabalho. O mais fácil é não ser nada e não tomar posição, dizer que não se sabe. Quando se toma posição tem de se ter os pés bem assentes na terra e saber o que estamos a dizer. Com consciência." E que implica uma acção pública, como diz Hélio Loureiro: "Faz parte da minha missão enquanto português mostrar que há outro regime para além deste, que há outra verdade para além desta verdade, que isto não é o fim de uma etapa de Portugal, se calhar é uma transição."
Por tudo isto, a sua ausência será notada. Hélio Loureiro não vai estar esta terça-feira em Guimarães na declaração de lealdade a D. Duarte. "Gostaria muito de ir, mas marquei férias para esta semana. Não queria estar em Portugal nesta altura. Para não me enervar." Afinal, não deve ser fácil para alguém que defende profunda e publicamente a monarquia estar rodeado de celebrações do centenário da República - celebrar o quê?, perguntam os monárquicos, o regicídio?, a mudança de regime contra a vontade do povo português?, uma primeira República caótica, com retrocessos nos direitos fundamentais?, a ditadura que se lhe seguiu?, o PREC? Celebrar o quê? Este é o primeiro argumento de quem defende a monarquia: os monárquicos não falam da implantação da República mas antes da sua "imposição", contestam a legitimidade do novo regime e não perdoam a tirania.
"Sempre associei a monarquia à liberdade, devido à história não só do nosso país mas dos outros países da Europa. Na Alemanha e Espanha, as ditaduras aconteceram após o fim da monarquia", explica João Braga, 65 anos, monárquico desde sempre. "Era muito miúdo e lembro-me de chorar a ouvir, na rádio, a cerimónia do enterro da rainha D. Amélia", recorda. A influência da família foi determinante mas, apaixonado por história, o fadista aprofundou o tema e tornou-se um dos principais rostos da defesa da monarquia - "Existe aquele cliché: eu sou monárquico porque sou português. Não é que os republicanos sejam menos patriotas do que os monárquicos. Mas, quando Portugal foi grande, como nós entendemos uma nação grande, foi durante a monarquia. Portugal nunca foi tão pequeno como está ser nestes cem anos de república."
Isto é algo que preocupa Mariana Filippe, que herdou do pai o gosto pela pintura e a lealdade ao rei. Uma dos nove filhos de João D. Filipe, pintor especialista em arte sacra, lembra-se de como, lá em casa, as conversas sobre política eram também conversas sobre a responsabilidade social e os valores que regem a nossa vida. "Comecei a pensar no que é que significa ser português e como é que nos revemos no país onde vivemos", conta na sua voz pausada e tímida. Quando tinha 16 anos, a idade do "despertar da consciência política", já era claro na sua cabeça que não se identificava com o regime republicano nem com a figura do presidente. "Aos 18 anos entrei para a Real Associação e comecei a estar mais envolvida. Depois escolheram-me como representante da juventude na direcção. É a minha forma de participação cívica."
No atelier que partilha com o pai, mesmo em frente à Faculdade de Belas Artes, em Lisboa, onde já se licenciou em pintura e espera em breve começar o mestrado, Mariana, 22 anos, passa o tempo em tentativas e erros pintando retratos. "A arte figurativa está muito malvista nos dias de hoje, mas eu não me importo. É um desafio enorme. E gosto de retratar momentos de pausa, de reflexão, quase de suspensão do tempo, contrariando a agitação do quotidiano", explica, entre sorrisos. Na política, como na arte, Mariana não se importa de ir contra a corrente. "Quando digo que sou monárquica, algumas pessoas desatam a rir. Mas ficam curiosas. E já aconteceu, em conversas, despertar o interesse de alguns amigos. Pô-los a pensar." Não anda a tentar convencer ninguém, mas tem as suas explicações: "O rei é o símbolo de união, representa todo o País, enquanto o presidente só representa aqueles que votaram nele. Além de desagregação, isto provoca uma enorme instabilidade."
Este é outro argumento para defender a monarquia: "Dizer que qualquer pessoa pode ser presidente da República é uma utopia. Estão a enganar-nos. Para se ser presidente tem de se ter o apoio de um partido e, logo, não se é independente. O presidente, por muito que queira, nunca está acima dos interesses partidários. Já com um rei isso não aconteceria", afirma Francisco Franco de Sousa, de 22 anos, que, com o amigo Pedro Rodrigues Castro, está empenhado em animar o núcleo monárquico de Cascais. "Ser preparado desde o berço para a função faz toda a diferença", acrescenta João Braga, que não esconde a sua admiração "pelo sacrifício que implica a dedicação à causa monárquica, há um dramatismo na sina de quem nasce para esta função. Não é um privilégio, é uma missão." Uma missão para a vida inteira e que se prolonga nos seus filhos. "Isto é um garante da estabilidade, sabemos que o País não vai mudar o rumo de cinco em cinco anos, mesmo que mude o Governo, porque há algo que se mantém", acrescenta Mariana Filippe.
Se há assim tantas vantagens, por que motivo não há mais monárquicos (pelo menos a assumirem publicamente as suas convicções)? "As pessoas continuam a achar que os monárquicos têm grandes bigodes e anel no dedo. Ou que são todos duques e barões. Há um estigma. É um preconceito que temos de mudar e cabe aos jovens fazê-lo", afirma Pedro Castro. E são cada vez mais os jovens interessados pela causa monárquica, garantem. No ano passado, um grupo de monárquicos ligados ao blogue 31 da Armada - entre os quais Rodrigo Moita Deus, Henrique Burnay e Nuno Miguel Guedes - subiu à varanda do edifício da Câmara Municipal de Lisboa e hasteou a bandeira monárquica. Colocado online, o vídeo da "Restauração da Monarquia" causou enorme polémica e algum mal-estar entre os republicanos, mas teve o mérito de pôr toda a gente a falar do assunto. "Nas semanas seguintes houve imensas bandeiras hasteadas pelo País e até no estrangeiro", conta Pedro. "Isto prova que existe muita gente descontente com o regime e que está disponível para agir."
"Se esta celebração do centenário serve para alguma coisa, é também para pôr as pessoas a falar da monarquia", diz Francisco. E a verdade é que, no último ano, os monárquicos têm estado cada vez mais visíveis. Já não se reúnem só no tradicional jantar dos Conjurados, a 30 de Novembro. Hoje mesmo, um grupo vai sair para as ruas de Lisboa em mais uma "arruada monárquica", exibindo T-shirts azuis onde se lê "Eu quero um rei. E tu?", agitando bandeiras, distribuindo folhetos, gritando "O rei é fixe, a república que se lixe." David Garcia, 31 anos, é um dos que habitualmente participam nestas arruadas. "Acho que tem de haver uma maior abertura, uma aproximação à população", defende, acrescentando: "Muita gente pensa que ser monárquico é pertencer a uma família rica e ser conservador ou de extrema-direita não é nada disso", diz David, que não cresceu num meio monárquico nem pertence a qualquer elite. "Não tenho nenhuma tradição na família, sou um monárquico de consciência."
Foi em 1995, quando assistiu ao casamento de D. Duarte com D. Isabel de Herédia, que se fez um clique na sua cabeça de 16 anos. "Fiquei muito interessado em perceber quem era este homem e comecei a estudar não só a nossa história como as outras monarquias que existem na Europa." Foi o princípio de um caminho que o levou a ler livros como O Passado de Portugal no Seu Futuro, de Manuela Gonzaga, e a tirar o curso de História da Arte. Em 1999, associou-se à Real Associação de Lisboa. "Foi então que comecei a doutrinar-me, a perceber o vazio da República e a rever-me no princípio político defendido por D. Duarte", conta. Além disso, "basta olhar para o nosso país hoje para percebermos que algo está mal", diz. Ou como afirma Mariana Filippe: "Cada vez mais as pessoas estão descontentes e desanimadas. É nestes momentos que mais precisamos de um rei."
Mais um argumento para defender a monarquia: os países europeus que vivem neste regime (Reino Unido, Suécia, Dinamarca, Luxemburgo, Noruega, Espanha) parecem ter uma sociedade muito mais estável e harmoniosa e estar mais preparados para enfrentar a crise - se não em termos económicos, pelo menos em termos anímicos. A auto-estima de um povo e o "sentimento de pertença a uma comunidade que tem no representante histórico um garante da estabilidade" podem ser determinantes para a evolução d e um país, dizem os monárquicos.
"Claro que não iríamos ter uma monarquia absoluta, todas as monarquias actuais são democracias onde os ideais da igualdade, liberdade e fraternidade estão muito mais presentes, talvez, do que na nossa república", diz David Garcia. Ou, nas palavras de Hélio Loureiro: "Incutiram-nos a ideia de que os reis são uma coisa medieval e que eram todos tiranos. Tem-se a ideia de que a monarquia é uma coisa de direita quando o pensamento monárquico é mais à esquerda do que o pensamento republicano. Quando se descobre petróleo na Noruega, enriquecem todos, não só alguns. Por isso, quando as pessoas são questionadas seriamente sobre isto acabam por perceber. Não é voltar atrás, é andar para a frente."
Nas arruadas, distribuindo folhetos e respondendo às perguntas dos transeuntes, David sente que está a cumprir a sua missão: "Vamos para a rua para dar alguma esperança aos portugueses, dizer-lhe que há um outro caminho e que Portugal tem muita potencialidade." Da mesma forma, há quatro anos, decidiu iniciar um blogue a que chamou Projecto Democracia & Rei, onde publica notícias, vídeos, textos seus e de outros defendendo os ideais monárquicos. Mais recente, a página no Facebook já tem mais de mil membros. E este apenas um dos muitos sites e blogues associados à causa, desde as páginas oficiais da Casa Real ou da reais associações, passando por blogues simpatizantes - como o 31 da Armada (embora tenha também uma "ala marimbista"), o Pensar Portugal (de Ricardo d'Abranches), o Grupo dos Amigos de Olivença, o Livre e Leal (de Luís Aguiar Santos), o blogue de Pedro Quartin Graça, o Movimento 1128, e muitos outros. "Hoje é muito mais fácil encontrar outras pessoas que pensam como nós", reconhece David Garcia. É mais fácil comunicar, organizar acções e passar a mensagem. "Na Internet usamos uma linguagem simples, apelativa, moderna", explica. "Mostramos que a monarquia não tem nada a ver com privilégios."
É comum falar da despesa e do fausto associados às casas reais, mas os monárquicos alegam que a maioria das monarquias custa menos que a nossa república: "Nem que seja porque não teríamos de pagar as reformas e os privilégios dos anteriores presidentes", argumenta Pedro Castro. "As famílias reais têm o seu património. Dom Duarte não recebe qualquer pensão do Estado", explica Hélio Loureiro. E não há ilusões quanto a cortes e a bailes. "Todos os Estados têm as suas elites e as suas despesas de representação. A república também tem uma elite económica, social, cultural", explica Francisco Franco de Sousa.
Essa é também uma das lutas da duquesa Diana de Cadaval. "Ter um título significa, antes demais, ser portuguesa e honrar a tradição. A minha missão é inspirar-me no passado da minha família para tentar fazer melhor na construção do meu presente", diz a duquesa, que é uma das figuras da nobreza portuguesa mais populares, sobretudo desde que se casou com o príncipe Charles Philippe. As fotografias da família são publicadas nas revistas cor-de-rosa ao lados das imagens das famílias reais europeias. Mas Diana de Cadaval insiste em dizer, em todas as entrevistas, que é uma mulher como as outras. "Sou uma mulher que trabalha e que, como tantas outras, luta pelos seus objectivos. Tenho muitos projectos e faço por realizá-los o melhor que sei e posso. Temos uma vida cheia - de preocupações mas também de pequenos prazeres. Não temos preconceitos, por isso tento tirar o maior proveito de uma ida ao mercado como de umas horas de jardinagem ou de um baile em que encontramos os nossos primos, duques, príncipes, reis..." Autora do livro Eu, Maria Pia e colaboradora da revista Caras, Diana de Cadaval recusa-se a ser meramente duquesa. Mas não esconde uma esperança: "Acredito que o povo é soberano, e respeito a vontade da maioria, assim ela tenha oportunidade de manifestar. Estamos numa democracia, não estamos? Então ao povo português deve lhe ser dada a oportunidade de escolher."
Fonte: DN
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