terça-feira, 10 de agosto de 2010

O REPTO DA EUROPA

1. Os fundadores da União Europeia tinham bem presente no seu pensamento os horrores das guerras que dilaceraram a Europa no século XX e, através do novo projecto, eles mesmos enunciaram o propósito de que nunca mais fosse possível uma guerra entre nações europeias sabendo que a História do Velho Continente está repassada de conflitos, alianças estratégicas e tentativas hegemónicas.
No plano económico e cultural era mais fácil encetar o processo - e assim o fizeram, sempre norteados pela matriz cristã que está na origem da Europa e que, independentemente do laicismo, juridicamente implantado, conforma a sua personalidade, os seus valores e a ética dos comportamentos.
2. A União Europeia engloba um mosaico de povos, de tradições seculares, culturas e idiomas próprios, com as suas próprias histórias pátrias.
Esta diversidade constitui a sua maior riqueza e todo o processo de unificação não pode, de modo algum, apagar ou diluir esta realidade, se quer, como proclama, constituir-se num processo de enriquecimento e não de enfraquecimento europeu. É, portanto, de importância vital ponderar cuidadosamente todas as decisões que, de alguma forma, possam afectá-la. Se é certo que é urgente acelerar e tornar mais ágil e eficaz o processo de decisão, sobretudo com as perspectivas do alargamento, contudo é fundamental ter presente que a unificação não se faz sobretudo por processos e medidas jurídico-administrativas mas por avanços sustentados que traduzam na realidade uma maior identificação de pontos de vista e de interesses comuns.
3. A evolução da Comunidade para a União Europeia, com a adopção da moeda única e a subscrição do Tratado de Maastricht, foi muito discutida na maioria dos Estados-membros, tendo sido aprovada por referendo nos países onde a plena elucidação das matérias políticas e o respeito pela vontade do povo são determinantes. Pelos vistos, em Portugal a democracia dispensa estes rigores, parecendo suficiente uma generosa presunção da vontade popular !
4. Será este o caminho correcto, sabendo que o problema principal da proposta de Constituição europeia é que esta obrigará a efectuar correcções e reformulações, deixando, de facto, a porta aberta a futuras evoluções na direcção dos Estados Unidos da Europa e apresentando soluções claramente federalizantes como solução única para ultrapassar as contradições actuais? E tal ocorre quando são muitos os sinais europeus de sentido contrário !
5. Foi, inclusive, afirmado que, caso não aceitem a Constituição europeia, deverão os países em desacordo abandonar a União, quando, perante a letra dos tratados em vigor, a nova Constituição só poderá ser aprovada por unanimidade, o que significa que se propõe a ultrapassagem subtil de uma norma fundamental por caminhos algo ínvios.
6. Em Portugal, a falta de informação pode ser uma explicação para um aparente optimismo generalizado. Para que os portugueses possam ser informados e decidir em consciência é indispensável termos um referendo em que o Povo, ainda soberano, possa dizer aos seus representantes no Parlamento se têm ou não o direito de alienar a nossa soberania. Esse referendo deveria realizar-se antes da eventual aprovação da tal Constituição! As democracias em que os eleitores não têm a possibilidade de ser bem informados sobre as decisões que terão de tomar são uma farsa e uma fraude. Tem que haver um grande debate nacional, esclarecedor e ponderado, para posterior julgamento dos Portugueses quanto às perspectivas que se lhes apresentam.
7. Felizmente, parece que os "pequenos países" já se preocupam com a perda do seu poder político: na reunião de 1 de Setembro passado, em Praga, os representantes dos 15 países pequenos pediram que fosse "revista a estrutura das instituições da UE e os seus processos de decisão".
Convém lembrar, por exemplo, que a alternativa entre confederação (Estados que mantêm intacta a sua soberania, expressa das mais diversas formas) e federação (Estados que alienam, de facto, a sua soberania, absorvida por uma presidência que se implante) não tem sido, sequer, apresentada aos Portugueses.
Uma decisão tão importante para o nosso futuro colectivo - e para o futuro da Europa - não pode ser tomada por um eleitorado desinformado. Os Portugueses sem dúvida que querem fazer parte da União Europeia, mas não acredito que queiram deixar de ser Portugueses.

(In O Independente, 19 de Setembro de 2003)

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