sexta-feira, 25 de junho de 2010

A REPÚBLICA CONTRA O SOCIALISMO

Bosquejo de um conflito secular (1875-1974)










«O pior que nos pode acontecer é sermos amanhã república .».
. ANTERO DE QUENTAL, Cartas
(9 de Setembro de 2008)

Ainda a propósito do recém criado Think Tank Socialista, o Res Publica, e o facto de actualmente se passar a ideia de que o socialismo fundou a Republica, ou vice versa, convém lembrar a realidade nas palavras de J. Mendes Rosa..

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A REPÚBLICA CONTRA O SOCIALISMO
Bosquejo de um conflito secular (1875-1974)

«O pior que nos pode acontecer é sermos amanhã república .».
. ANTERO DE QUEMtAL, Cartas

Numa época em que se pretende enunciar os princípios republicanos e socialistas como sendo partes naturalmente integrantes do mesmo edifício político (com manifesto abuso, diga-se desde já), urge como nunca explanar em traços necessariamente céleres, condenados à aridez da simples enunciação, o que foi o desavindo percurso perpetrado por cada dessas escolas ideológicas nascidas sob o úbere pendão das ideias filosôficas posteriores ao ultimo quartel do século XVIII mas que não são – longe disso- defeníveis uma pela outra. ” Em Portugal» republicanismo e socialismo entram de mãos dadas, embora tardiamente,- com um século de atraso em relação à Europa. Os mais directos responsáveis pela sua introdução no tecido intelectual português, assinalaram o feito com um ciclo de conferências que fícou exactamente conhecido por Conferências do Casino ( 1871).

Antero, o maior vulto dessa novel escola política (socialista e republicana), secundado por alguns mais, cedo se aperceberia da natureza autónoma do ideal do regime e a do sistema político-económico almejado, e bem assim da necessidade de separar as águas adstritas a um e a outro.












Teófilo Braga

Assim, a clivagem república/socialismo pode ser consubstanciada na disjunção Teófilo Braga/Antero de Quental e verifica-se «a partir do momento em que a Geração setecentista divide o seu caudal, separando-se em dois leitos distintos, o do Partido Socialista (fundado em 1875) e o do Partido Republicano (fundado um ano depois)’»

Ê assim que ainda mal nado, o socialismo português se divorcia do republicanismo e enceta uma clara aproximação ao até aí combatido regime monárquico.

Esse divórcio era ditado pelo mesmo Àntero em carta dirigida a Oliveira Martins:

«A fantasia republicana está desfeita de todo o nosso grupo socialista e dou por isso graças aos deuses.É necessário, de toda a necessidade, que quebremos com os republicanos e eu estou resolvido a faze-lo»(2).

Logo a seguir, declarava a sua «completa isenção «do movimento republicano»(3). Em 1885, o seu descrédito nos decantados benefícios da instituição republicana para suprimento das minguas económicas e sociais do País, vai mais longe:

« (…) Está iminente a bancarrota e uma tremenda críse social; a proclamação da Republica não só não remediaria esses grandes males (…), mas trazia uma complicação e elemento de desordem, como ainda em 1873 se viu em Espanha»(4)

Oliveira Martins, plumitivo de credo monárquico, infatigável teórico da conciliação da doutrina [e] robustecimento do Poder Real com um Socialismo de Estado (5) ,seria a mais bela expressão dessa nova aliança entre o ideário socialista temperado e o regime sete vezes secular. Mesmo depois de ter passado fugazmente pelas esferas do poder, onde o seu sonho de reconstrução nacional esbarrou no imobilismo de um constitucionalismo aferrado e inerte, não cedia a confusões, depois de namorado pelos republicanos para seu deputado pelo Porto:












Oliveira Martins

- « E quem lhes disse aos senhores, que sou republicano? Não sou, sou socialista..» E acrescentava: «República,anarquia e Castela»(6).

E se assim era no plano intelectual, também na esfera da acção política se verificou a dissensão, acrescida da perseguição que os republicanos começaram a. mover aos movimentos socialistas e sindicais. Em 1885, o Partido dos Operários Socialistas de Portugal acha-se ferido de morte, e mau grado Azedo Gneco tivesse fundado o Partido Socialista Português (1895), e tendo adoptado por estratégia de sobrevivência uma aproximação aos republicanos em 1901 , depois de controvérsia (Luís Figueiredo opõs-se terminantemente e o rompimento definitivo da-se em 1907), o sucesso da táctica era impedido por «uma forte desconfiança.em relação ao Partido Republicano», como escreve António Ventura (7).











Azedo Gneco discursa

Com a fundação do Partido dos Operários Socialistas de PortugaL encrudesce e ganha contornos inauditos de animadversão o combate aberto que o Partido Republicano move aos socialistas. Estes conhecerão um único e fervoroso coadjuvante: El-Rei-D. Manuel II.


















D. Manuel II

O trecho da carta que de seguida expomos .(dirigida pelo monarca a Venceslau de Lima cm 15.6.1909), é a esse respeito bastante esclarecedora:












Venceslau de Lima

«(..,) o Partido Socialista encontra-se desorganizado e dividido em fracções desde 1891. O Partido Republicano tem-lhe feito uma guerra de morte e arranjou sempre coisas de maneira que o partido se encontrasse sempre em desacordo („.). O Partido Socialista encontra-se há poucos dias completamentc unido: a pessoa que conseguiu isso é o Alfredo Aquiles Monteverde (…). Eu tenho-me interessado muito há já bastante tempo por essa questão, que tenho vindo seguindo e ajudando».

Feitas as diligencias régias para que o Partido Socialista ganhasse uma compleição de poder, estudado o respectivo programa enviado por Gneco. Monte verde dirige-se destarte ao Rei: «Venho agradecer reconhecidíssimo o bilhete e a carta que V.M. houve por bem enviar-me e o interesse que V.M. continua a tomar pelos seus operários. Mal sabem eles do alto patrocínio que tão eficazmente os está auxiliando neste momento». (8)

Após o advento da República, o Partido Socialista, no seu “Manifesto”, perfila-se como oposição e não tem pejo em proclamar.

«O Partido Socialista entende que deve ser lançada aos actuais dirigentes e aos elementos mais preponderantes da República Portuguesa a inteira responsabilidade por todas as perturbações de ordem ultimamente havidas e por todas as que parecem prestes a haver …»(9).

A repressão republicana contra o operariado, revestiu-se de contornos dignos da mais acerba dás tiranias. Em 1912, na Greve Geral de Lisboa, os grevistas foram duramente reprimidos e submetidos a degradantes prisões. Um ano depois o democrático (!) «governo de Afonso Costa proibiu o cortejo e o comício do 1º de Maio…» (10)












 Afonso Costa

Meses antes, o Anti-Cristo de Seia (o epíteto é do seu ex-colega de partido Cunha e Costa) assinava no jornal “O Mundo” um artigo em que demonstrava descrer no futuro do socialismo e bem assim no movimento das ciasses operárias e sindicatos. (11)

E dando vazante à ideia de enfrear o operariado, conta Carlos Maiheiro Dias que os proletários acusaram a «república de ter mandado fuzilar os operários grevistas de Setúbal como nunca-se tinha feito rto tempo da monarquia: (…) de decretar uma lei eleitoral mais reaccionária que qualquer das que estiveram em vigor no antigo regime» (12).

Em 1914 é fundada a União Operária Nacional, que o governo de então logo se apressou a extinguir, sendo reorganizada em 1917. Em Maio desse ano, como protesto contra a falta de pão em Lisboa, quatro milhares de pessoas manifestaram-se no Rossio e a Guarda Nacional Republicana recebeu ordens governamentais para dispersar os civis pela violência, O confronto saldou-se em dezenas de mortos e 547 prisões. (13)

Mas o conflito entre republicanos e socialistas, não se confinaria à I República (onde de resto, nas diversas legislaturas, apenas foi eleito um máximo de dois deputados socialistas, o equivalente a deputados miguelistas). Na II República foi o que se sabe; o socialismo seria banido oficialmente do solo português e o sindicalismo decretado, tal como na I República. adverso ao Estado» Só após o 25 de Abril os socialistas se puderam organizar livremente, como queria 65 anos antes, o Rei D. Manuel II.

Por este apontamento poderemos ver que socialismo e república, andaram desavindos durante mais de cem anos. e só muito recentemente se reconciliaram…

J. Mendes Rosa

notas

1-João Medina “Antero e Teófilo”
2- Cartas inéditas de Antero de Quental a Oliveira Martins,1, Univ. de Coimbra, Coimbra 1931, pp 17-18
3-Ibiden
4- Carta a S. Costa Botelho de 1-VIII-1885, “Cartas II”, p 746



(Fonte : Somos Portugueses e Blogue "Esquerda Monárquica")

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