sexta-feira, 30 de setembro de 2011

PAPA JOÃO XXI: NOS 735 ANOS DA SUA ELEIÇÃO PAPAL

Falar do Papa João XXI, que fora, antes da eleição ao Papado, Pedro Hispano ou Pedro Julião, nascido e criado em Lisboa, não é apenas dar a conhecer um Português que ocupou a Cadeira de Pedro no século XIII. Na verdade, trata-se também e principalmente, de uma das figuras mais notáveis do seu tempo, como médico, como filósofo, como teólogo, como mestre universitário.

Foi muito curto o seu papado – apenas oito meses e cinco dias – interrompido por um acidente dificilmente explicável, um desabamento no palácio papal, em Viterbo, onde tinha sido eleito. Mas estes poucos meses mostraram um Papa que, embora acusado por alguns de pouco sensato, pela liberdade com que recebia gente de qualquer classe social, foi enérgico, decidido, disciplinador, unificador e pacificador, isto é, o Papa de que a Igreja necessitava nos momentos difíceis que atravessava.

 
Fala-se bastante do homem de ciência que foi eleito Papa, e que o tornou conhecido como «Clericus Universalis» e «Magnus in Sciencia». A sua eleição foi uma surpresa, e terá sido consequência da guerra de influências entre duas famílias poderosas, os Orsini e os Collona, uma apoiada pelo partido francês, outra pelo partido ítalo-germânico. Pedro Hispano não era italiano e não pertencia a qualquer partido. Possuía, sim, uma cultura e um prestígio científico excepcionais, assim como a fama de homem recto, que acabaram por se sobrepor às guerrilhas políticas e à pressão da população de Viterbo, que exigiu a eleição papal sem mais delongas, num conclave que poderia ter sido agitadíssimo, à semelhança do vergonhoso conclave anterior.

Mas, além de homem culto, que dominava a ciência médica, a história natural, a filosofia, a lógica e a psicologia, que lia directamente no grego ou no árabe as obras mais representativas dos autores antigos, veio a revelar-se, como Papa, um verdadeiro disciplinador das desordens internas na Igreja, um pacificador enérgico das disputas e ambições entre os príncipes e reis cristãos, um unificador da Igreja, conseguindo o regresso à unidade da Igreja do Oriente, e um verdadeiro precursor das relações ecuménicas. Vale a pena deixar um pequeno apontamento sobre este trabalho verdadeiramente ciclópico, realizado em tão curto espaço de tempo.

Pode-se dizer que iniciou o seu pontificado “por dentro”, castigando severamente os autores dos distúrbios durante os conclaves em que participou, confirmando também a suspensão das Constituições para as eleições pontifícias, efectuada pelo seu antecessor, Adriano V, com a intenção de as libertar de todas as influências políticas que habitualmente as inquinavam.

No plano externo, obteve a reconciliação entre as Casas de Anjou e de Habsburgo, conseguindo a paz na península italiana. Sabendo que estava prestes a estalar a guerra entre Afonso X de Castela e Filipe III de França, enviou imediatamente dois Legados, dotados de todos os poderes canónicos, incluindo a excomunhão, no sentido de evitar. Graças ainda à sua acção diplomática, persistente e inteligente, junto imperador de Bizâncio Miguel Paleólogo, obter a unificação das duas Igrejas, sob a autoridade do Papa, sucessor de Pedro.

A sua obra escrita, muito extensa, tem sido objecto de estudos repetidos. E se muitas delas já não oferecem dúvidas quanto à sua autoria como as duas obras maiores, Thesaurus Pauperum e Summa Logicales, outras existem que provavelmente foram acrescentadas por diversos autores, para obterem o prestígio do prodigioso Pedro Hispano. O Thesaurus Pauperum foi a primeira obra médica escrita a pensar nos pobres; a Summa Logicales, tratado de Lógica, foi o tratado adoptado durante alguns séculos por muitas universidades, e redescoberto no século XX.

Desconhece-se a data do seu nascimento; os estudos que têm sido realizados apontam, porém, para um ano situado entre 1205 e 1210. Em 1276, quando trabalhava no seu gabinete no palácio papal (diz-se que estaria a escrever as novas Constituições para as eleições papais, muito duras e disciplinadoras), o desabamento do tecto atingiu-o gravemente, vindo a morrer poucos dias depois.

Existe uma única obra publicada em língua portuguesa, com estudos aprofundados sobre o Homem e a sua obra, realizados por especialistas de prestígio. Cada estudo é precedido por um extenso resumo escrito pelo coordenador da obra, e que facilita a sua leitura e compreensão. Trata-se do livro «Pedro Hispano Portugalense», coordenado pelo Prof. Doutor Boléo-Tomé, e editado pela revista «Acção Médica». O livro constituiu uma homenagem ao médico, cientista e Papa, homenagem de que se fez eco a Sociedade de Geografia de Lisboa.

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