"VALORES REPUBLICANOS"
Jornal "Público"
Vasco Pulido Valente – 08-10-2010
Vasco Pulido Valente – 08-10-2010
Não houve jornalista ou político da nossa pobre esquerda que não nos tenha vindo falar, a propósito do “5 de Outubro”, dessa misteriosa coisa a que por aí se chama “valores republicanos”. Confesso a minha perplexidade. A que raio de “valores” se referiam eles? Suponho que posso excluir os “valores” das Repúblicas Socialistas Soviéticas, que não gozam hoje de grande aprovação.Não houve jornalista ou político da nossa pobre esquerda que não nos tenha vindo falar, a propósito do “5 de Outubro”, dessa misteriosa coisa a que por aí se chama “valores republicanos”. Confesso a minha perplexidade. A que raio de “valores” se referiam eles? Suponho que posso excluir os “valores” das Repúblicas Socialistas Soviéticas, que não gozam hoje de grande aprovação. Como posso excluir os “valores” das Repúblicas “Populares”, que a URSS instalou pela Europa depois de 1945. E pressupor que não há em Lisboa quem admire imoderadamente a história e a realidade das Repúblicas da América Latina. Dentro do óbvio, sobram assim os “valores” da República federalista americana, que, tirando um pequeno período, nunca foram compreendidos, nem estimados deste lado do mar.
Ficam, assim, como sempre, os “valores” da República francesa. Mas de qual? Não com certeza da República de Robespierre, que produziu a guilhotina e o terror e levou em pouco tempo à ditadura militar e à conquista da Europa. E com certeza que também não à II República, que Tocqueville descreve, e acabou no Império, aliás grotesco, de Napoleão III e na guerra franco-prussiana, que reduziu a França a uma potência de 2.ª classe. A primeira parte da III República (a “República dos Duques) não serve, obviamente, de exemplo. Ou a II República espanhola, que raramente viveu na legalidade, provocou uma guerra civil e trouxe a ditadura de Franco. Fica assim a República francesa (a III), a do fim do século XIX, inteiramente corrupta, mas que, pelo menos, conseguiu separar a Igreja do Estado e, com alguma brutalidade, instalar o laicismo.
O Presidente da República e outros políticos que terça-feira festejaram o “5 de Outubro” e os deputados que anteontem lhe prestaram “homenagem” no Parlamento mostraram bem a inanidade das comemorações. O Presidente da República inventou por sua conta os “valores republicanos” que na altura lhe serviam e que não existiram em Portugal, como, de resto, em sítio algum do Oriente ou do Ocidente: o espírito de compromisso, a cultura da responsabilidade, o horror à demagogia e, muito estranhamente, o primado da coesão nacional. E, no Parlamento, os deputados resolveram usar a I República portuguesa como um conto cautelar para uso da II, que se está manifestamente a dissolver. Não seria melhor calar daqui em diante a boca e, já agora, eliminar o feriado do “5 de Outubro”?
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