domingo, 6 de junho de 2010

PRESOS POLÍTICOS NA 1ª REPÚBLICA - PROTESTO INTERNACIONAL

Em 1912 e 1913 a República Portuguesa ocupou largo espaço na imprensa europeia, mas não com as manifestações de admiração nem com os louvores que os seus propagandistas haviam ambicionado. A velha guarda do movimento republicano, que sempre sonhara com o reconhecimento internacional dos seus ideais “humanitários”, via-se forçada a reconhecer que a imagem da república, nos círculos europeus, estava muito longe do desejado. As notícias sobre maus tratos infligidos aos presos políticos tinham transposto fronteiras e conquistado as atenções da opinião pública nos países com mais ascendente sobre a nação lusa.


A imprensa inglesa deu ampla cobertura às acusações de injustiça, crueldade e tirania no tratamento dos presos políticos. Os grandes órgão da imprensa britânica, o “Times”, o “Spectator”, o “Morning Post”, reproduziam com abundância de pormenores os casos de humilhação, violência, tortura, abuso de poder e tratamento desumano nas prisões portuguesas. A Duquesa de Bedford, presidente da Associação de Visitadoras de Prisões, deslocou-se a Portugal nos princípios de 1913 e visitou várias prisões, onde encontrou motivos para um indignado protesto que publicou em Londres. As suas denúncias sobre as prisões portuguesas foram propagadas por uma comissão de apoio aos presos políticos portugueses, que se formou na capital inglesa. Em 22 de Abril de 1913 teve lugar um “meeting” para difundir as notícias, recolhidas de vários lados, sobre tratamentos desumanos nos cárceres da república. Tinha-se publicado, entretanto, o folheto intitulado “Portuguese Political Prisoners – A British National Protest”.

Aí se falava de violências contra os presos políticos, detenções arbitrárias, presos agredidos e privados de alimentação ou higiene, longos prazos de prisão sem julgamento, o uso do capuz penitenciário, a detenção das duas senhoras que ajudavam os presos políticos, a tortura e envenenamento do preso António Ribas, etc.

Todo este burburinho à volta do tratamento que a república dedicava aos seus opositores incomodava os influentes do regime, expondo ao mundo uma imagem deles radicalmente oposta a tudo o que se vangloriavam de representar. Os mais intransigentes apressaram-se a contradizer as notícias, fazendo publicar rasgados elogios do regime prisional português, mas ao mesmo tempo formava-se à volta do presidente da república uma forte corrente de opinião favorável à amnistia dos crimes políticos.

Os defensores da amnistia recusavam-se a acreditar nas acusações de maus tratos, mas reconheciam que a república estava mal vista dentro e fora do país, graças às notícias que se tinham espalhado sobre esta matéria, pelo que aconselhavam a libertação dos presos políticos. A ambiguidade desta corrente republicana “moderada” está patente num discurso em que António José de Almeida, a 5 de Março de 1912, clama pela necessidade da amnistia. O grande tribuno afirma sem hesitações que acredita na “brandura” do regime, e apresenta provas disso: “os tribunais estão pondo em liberdade com razão juridica ou sem ela, não me compete a mim investigá-lo, quasi todos os conspiradores , ao mesmo tempo que dalgumas cadeias fogem muitos deles”. Depois de ter amalgamado estes casos, tratando no mesmo plano aqueles que fogem da prisão e os que são postos em liberdade por ordem do tribunal, como se todos eles fossem provas da benevolência republicana, reconhece que outra interpretação pode ser dada aos mesmos factos. Haverá quem diga que os juízes e os guardas prisionais, impressionados pela injusta prisão de tantos inocentes, restabelecem a justiça deixando sair da cadeia quase todos os opositores do regime. Seja qual for a versão verdadeira, o que importa, para o fundador de “A República”, é que a impressão de tirania se divulgou, e para combatê-la muito ganhará o regime se decretar a amnistia (António José de Almeida, Quarenta Anos de Vida Literária e Política, Vol. III. Lisboa, 1934).


Os jornais republicanos “O Século” e “A Capital”, em resposta às acusações da imprensa inglesa, encomendaram aos seus repórteres uma visita pelas prisões – Penitenciária, Limoeiro e Aljube. Os jornalistas voltaram dos calabouços maravilhados com as condições de vida oferecidas aos presos, com a boa disposição destes e com o conforto e a higiene dos estabelecimentos prisionais, superiores aos de alguns hotéis com pretensões de luxo. O jornal satírico “Os Ridículos” comentava que as descrições das prisões, de tão embevecidos louvores que teciam, davam vontade ao cidadão comum de ir para a rua soltar uns vivas ao rei, para poder experimentar durante alguns tempos a deliciosa hospitalidade dos cárceres da república.

Entretanto o presidente da república visitara também a Penitenciária, em Maio de 1912, ficando aterrado com o deprimente espectáculo que se oferecia aos seus olhos. “Podiamos dizer que n´esse dia vimos com os proprios olhos, como se fosse uma realidade, o imaginado Inferno de Dante!…”, diria ele mais tarde nas suas memórias (Manuel d´Arriaga, Na Primeira Presidencia da Republica Portugueza – Um Rapido Relatorio. Lisboa, 1916). Manuel de Arriaga sempre fora opositor do sistema penitenciário, que para redimir o criminoso o isolava do mundo, e desde a visita que fez à prisão central de Lisboa tornou-se um dos mais ardentes defensores da amnistia, insistindo com o governo para que aprovasse medidas de clemência.

O governo mostrava-se mais cauteloso, não querendo dar sinais de fraqueza aos inimigos da república. Estava consciente do mau nome que a questão das prisões trazia à república, mas preferia agir no campo da propaganda. Em princípios de 1913 as oficinas da Imprensa Nacional davam à estampa um folheto escrito em inglês, com a resposta às acusações da duquesa de Bedford. Aí se juntavam as reportagens dos jornais republicanos, uma carta do director da Penitenciária ao director do “Times” e alguns regulamentos prisionais. Estes últimos eram de aprovação recente, posteriores à campanha da imprensa britânica, mas mesmo assim foram usados como argumentos contra a boa fé dos acusadores. Lendo este folheto percebe-se que as autoridades republicanas, sob a pressão da campanha internacional, tinham ordenado mais moderação no tratamento dos presos.

De tudo isto resultaram, a breve ou longo prazo, melhores condições de vida para os presos políticos, a abolição do capuz penitenciário, “que nunca deveria ter sido usado por presos políticos”, como observou o escritor Aubrey Bell, e a libertação de muitos dos que estavam na prisão sem culpa formada.

Carlos Bobone
(Fonte: Blogue "Centenário da República")

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