ENTREVISTA DE S.A.R. O SENHOR DOM DUARTE AO "GRANDE PORTO"
É o herdeiro ao trono de Portugal, e acha que um rei é quem melhor defende a República. Não vota nas presidenciais, mas a conselho de Ronald Reagan já pensou candidatar-se Presidência da República. Em entrevista ao GRANDE PORTO, D. Duarte Pio, Duque de Bragança, recorda os tempos em que viveu em Coimbrões, Gaia, e os seus estudos no Liceu Alexandre Herculano, no Porto.
Este ano comemora-se o centenário da república. Como é que encara esta efeméride?
Acho bem que se comemore, acho bem que se homenageiem as pessoas que estavam dispostas a dar a vida pelos seus ideais, mas não acho bem que se gastem dez milhões de euros para celebrar uma data em que, no fundo, correu tudo mal. A I Republica foi desastrosa, como toda a gente sabe. De tal forma que, quando os militares derrubaram a I República, o país todo aplaudiu. A II República, tecnicamente, terá sido melhor, mas não havia democracia. Depois houve a terceira revolução militar, o 25 de Abril e finalmente chegámos a uma situação igual à que estávamos antes de 1910. A nossa constituição é semelhante, o nosso chefe de Estado actual tem mais ou menos os mesmos poderes que tinha o rei. Perdemos 100 anos. Se reparar, os militares do 25 de Abril não quiseram nenhuma identificação com a I República, e convidaram o PPM para fazer parte do Governo. Queriam mostrar claramente que era uma Republica nova, com novos ideais, e que não tinha nada a ver com, como eles diziam, os caixeiros bigodudos da altura da I República.
Têm-se levantado várias vozes a dizerem que o busto da República deveria ser alterado e que até a letra do Hino Nacional é ultrapassada e sem sentido. Acha que os símbolos nacionais são alterados ou que podem ser alterados?
Aquele busto da República com os peitos à mostra passa uma imagem um bocado estranha. Parece passar a mensagem de que os republicanos querem todos mamar… Não faz muito sentido. Acho que o busto deveria ser mais recatado. Aliás, acho a existência do busto da República um absurdo. Se a Republica é o bem comum, é a independência dos poderes, é a democracia, então não é uma forma de chefia de Estado e tanto funciona com um rei como com um presidente.
O Hino Nacional podia ter uma letra mais bonita. O problema é que finalmente já toda a gente o sabe de cor, graças ao Scolari, e se mudar agora corremos o risco de serem precisos muitos anos para as pessoas o voltarem a decorar.
Acha que os portugueses já absorveram em definitivo o regime republicano ou acha que há ainda uma certa nostalgia pela monarquia?
Há nostalgia por parte de muitas pessoas. Tanto os republicanos como os monárquicos fantasiam sobre o que seria uma monarquia actual. Mas as pessoas mais lúcidas comparam o desenvolvimento humano e económico dos regimes que têm reis e rainhas com a nossa República e não há dúvida que os países escandinavos, a Holanda, a Bélgica e até a própria Espanha são muito mais desenvolvidos do que nós, até do ponto de vista democrático. Não sei muito bem o que se está a celebrar hoje, quando a verdade é que nós passamos de uma situação de desenvolvimento médio na Europa – em 1900 – para o último lugar na tabela de classificação do desenvolvimento na Europa, e ainda por cima à beira da falência .
De que forma é que a monarquia ajudaria a combater os males do país?
Se olhar para as monarquias contemporâneas da Europa, e fora da Europa, no Japão, por exemplo, verá que o rei e a rainha ajudam à estabilidade. Servem de elemento de ligação entre os políticos. O rei colabora com os governos e nunca está em conflito, ao contrário do que acontece na República, onde frequentemente governo e chefe de Estado estão em conflito. O rei é um árbitro isento. Não ponho em causa a isenção do nosso Presidente da República, só que como pertence a um partido político, muita gente tem dúvidas, tal como tinha dúvidas em relação à isenção do presidente Jorge Sampaio. O último presidente verdadeiramente isento que houve em Portugal foi o general Ramalho Eanes. A partir daí foram todos dirigentes partidários. Há duas maiorias opostas? Servem para quê? O presidente não está ali para governar, devia estar ali para representar todos os portugueses e dar uma imagem da cultura e da perenidade do país. Nesse aspecto o rei consegue mais facilmente desempenhar essas funções do que um presidente. Como disse o primeiro-ministro sueco, “nós somos uma república e o rei é o melhor defensor da nossa república”. Essa é hoje a atitude das monarquias socialistas do Norte da Europa.
Chegou a dizer que não se sente rei de Portugal, mas que se sente rei dos portugueses…
Na verdade, hoje em dia o chefe de Estado de Portugal é o Professor Cavaco Silva, mas há uma posição que se pode dizer espiritual, histórica e cultural, em que para muitos portugueses eu sou Rei. Não sei se é a maioria ou uma minoria, não sei quantos são.
Mas sente que tem essa responsabilidade?
Sinto. Por isso é que tenho dedicado a minha vida ao serviço de Portugal, descorando muito da minha vida privada e económica. Tenho trabalhado muito em prol da Lusofonia, acho que é uma das coisas de que o chefe de Estado português deveria ocupar-se. Deveria manter a coesão entre os países lusófonos, por nosso próprio interesse. Não sabemos como é que a União Europeia vai funcionar, e se as coisas não correrem muito bem sempre temos uma alternativa. Agora que estamos no clube dos ricos, não podemos desprezar os irmãos pobres. Por outro lado, o Brasil é um dos países com mais sucesso hoje em dia e se perdermos o balanço do Brasil a língua portuguesa vai perder importância.
Parece-lhe que os monárquicos são um grupo quase secreto?
Isso é verdade. Segundo as sondagens há cerca de 28 ou 29 por cento dos portugueses que dizem que um rei seria melhor do que um presidente. Esses são os que eu considero monárquicos. Agora, não quer dizer que queiram mudar o regime, ou que queiram uma mudança muito grande. Querem manter as coisas como estão, mas acham que estariam melhor com um rei.
Acha que seria a altura de fazer-se um referendo em Portugal sobre o regime político?
Neste momento é proibido pela Constituição.
Mas acha que isso devia ser alterado?
Sim. Porque isto é uma democracia imperfeita e limitativa que diz que os portugueses são incapazes de escolher o regime político. A Causa Real apresentou uma proposta há uns anos, aquando da última reforma da Constituição, que sugeria que o texto que diz que “é inalterável a forma republicana do governo”, passasse a dizer “é inalterável a forma democrática do governo”. Pessoas como o presidente Mário Soares ou o antigo ministro Almeida Santos, não se importavam nada de serem governados por uma monarquia democrática, porque o que lhes interessa é a democracia. A forma de chefia de Estado é secundária para eles. Essas pessoas são republicanas por uma questão teórica e cultural. Acham que a República simboliza mais completamente a democracia, visto que o cargo de chefe de Estado é sujeito a eleição. Só que já se percebeu que não é assim. Tem que se ser apoiado por partidos, tem que se ter muito dinheiro. É muito difícil um independente conseguir chegar a chefe de Estado. É possível, mas até agora nunca aconteceu.
O senhor não vota nas presidenciais.
Não, não voto.
Mas não chegou a ponderar candidatar-se à Presidência da República?
O presidente Ronald Reagan deu-me essa sugestão, só que todas as pessoas que eu consultei diziam-me que dificilmente isso seria tomado a sério porque era uma contradição entre aquilo que eu defendia e aquilo que iria fazer. Encontrei muito poucos apoios.
Também achou que era uma contradição ou estava na dúvida?
Eu estava na dúvida. No fundo era uma maneira de poder falar ao Pais e de ser ouvido. Mas como as opiniões contrárias no meu conselho eram muito maiores do que as favoráveis, decidi não avançar.
Sente-se tentado nas próximas eleições a votar em Fernando Nobre, muitas vezes associado aos ideais monárquicos?
O Fernando Nobre é meu amigo pessoal há muitos anos e colaboramos em várias missões. Na questão da chefia de Estado, ele diz o que qualquer pessoa inteligente sabe, que as repúblicas que têm reis são as melhores. Mas eu não voto nas presidenciais e não participo em nenhuma campanha. Gosto de todos os candidatos. O Manuel Alegre fez a apresentação da minha biografia, o professor Cavaco Silva tem sido amabilíssimo. Seria uma posição muito difícil para mim se tivesse que escolher.
(Fonte: semanário Grande Porto)
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