ORDEM NA REPÚBLICA
Os republicanos começaram animadamente os seus festejos e eu respeito-os por isso, acho natural que cada um festeje livremente aquilo que lhe aprouver. Não partilho do entusiasmo deles mas respeito-os, é o sistema que preferem, que defendem, que querem, que têm, que lhes faça bom proveito. E admiro pessoal, profissional e politicamente inúmeros republicanos, a começar pelo Presidente da Comissão para as comemorações.
Mas confesso sentir alguma curiosidade em saber de que manual de História Técnica foi o Primeiro-Ministro buscar a inspiração para o discurso hoje proferido, no qual equiparava o momento da implantação da República à democracia, prosperidade, modernidade e liberdade. Alguém o enganou ou andou a gozar com ele, pois no caso português isso não tem a menor correspondência com a realidade. De resto, em parte alguma do mundo terá.
Vamos por partes: o regime republicano português teve a sua génese na liberdade e democracia do regime Monárquico, que foram utilizadas para perpetrar um duplo crime de homicídio cobarde e brutal, o que não abona nada em favor dos republicanos. Até porque, de seguida, e uma vez agarradas as rédeas do poder, o regime republicano perseguiu selvaticamente todos aqueles que timidamente se lhe opunham, ceifando quem lhe passasse pela frente, roubando direitos há muito conseguidos, atropelando tudo e todos e formando o regime à sua medida. Em qualquer momento da Monarquia foram os republicanos da 1ª República melhor tratados, de forma mais digna, livre e democrática do que passaram eles a tratar os outros a partir do momento em que lhes foi passado para a mão o bastão. Ou o roubaram. O povo português tem uma expressão elucidativa, sobre este tipo de coisas.
Depois, como finalmente começa a ser público, a 1ª República foi menos moderna, menos próspera, menos democrata e menos livre do que o regime anterior e que pretendia substituir. Mais: foi a bagunça da 1ª República que deu azo ao Estado Novo, período que constituiu, por muito que espante a muitos, uma época mais moderna, mais próspera e, pasme-se, mais democrática e livre do que a 1ª República. Em todos os campos. É espantoso e custa a crer mas é assim mesmo.
Ao Estado Novo seguiram-se dois aninhos brutais de PREC comunista. Nunca como até aí as liberdades foram tão reduzidas, a opressão tão aumentada, a democracia tão atabalhoadamente tratada. Quanto à modernidade e prosperidade desses anos, nem vale a pena falar. Só em meados da década de oitenta se começaram a combater seriamente os vícios desse par de anos, vícios esses que ainda hoje perduram em muitas situações.
Hoje, neste último período da República que vivemos, falar de modernidade, prosperidade, verdadeira democracia e liberdade pode ser considerado uma anedota. Ainda por cima de mau gosto. A modernidade e a prosperidade foram-nos emprestadas, não conquistadas, e é preciso pagá-las quando este deplorável Estado tem as suas contas num estado deplorável. Verdadeira democracia e real liberdade são coisas que fazem tristemente sorrir Fernando Charrua e muitos outros. Até Alegre, um republicano indiscutível.
Claro que temos hoje coisas fabulosas, como os serviços administrativos de certas Universidades a funcionar aos domingos e outras funcionalidades que tais, como licenciamentos rapidíssimos no Ministério do Ambiente, primos por todo o lado, toda a gente tem aprovação nas escolas, mas temos também um Primeiro-Ministro fraco em História, que julga que a República necessariamente se encontra ligada à democracia, prosperidade, modernidade e liberdade (deve estar a pensar na Venezuela, ou na antiga URSS) e que isso é impossível num regime Monárquico (onde todas essas coisas se iniciaram).
Eu aceito que as pessoas sejam republicanas, admito até que anualmente celebrem os cincos de Outubros, esquecendo-se do Tratado de Zamora e dos 700 anos da História de Portugal anteriores à República, percebo ainda que se alegrem e festejem esse regime.
Só não percebo por que razão os republicanos festejam ruidosamente este concreto centenário da República. Estes cem anos merecem-no?
Vasco Lobo Xavier em 31/01/2010
Vasco Lobo Xavier em 31/01/2010
Fonte: Blogue Mar Salgado
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